O novo Ensino Médio
Para entender às novas sugestões, Carta na Escola entrevistou José Fernandes de Lima, relator da proposta das novas diretrizes e membro do Conae desde 2008. Alagoano de Maceió, José Fernandes teve a trajetória na área de Exatas, formando-se em Fisica na UFPE e, posteriormente, concluindo seu mestrado e doutorado nesta área na USP. Foi chefe do departamento de Física da Universidade Federal do Sergipe (UFSE), diretor de programas da Coordenação de Aperfeiçoa-mento Pessoal de Nível Superior (Capes) e secretário de Educação de Sergipe entre 2007 e 2010 na primeira gestão do governador Marcelo Déda (PT).
Nesta entrevista, José Fernandes de Lima ressalta que o foco do projeto é criar uma identidade para o Ensino Médio e corrige a interpretação, veiculada por parte da imprensa, de que teremos uma divisão por áreas, como ocorria antigamente. “A escola precisa contemplar as quatro dimensões do ensino: o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. Os mais antigos lembram-se de quando tínhamos o colegial dividido (entre Clássico e Científico), e isso gerou uma confusão de que teríamos um Ensino Médio temático com essas áreas. Não haverá divisão. Pelo contrário, o Ensino Médio tem de contemplar todas elas”, diz.
Carta na Escola: O Ensino Médio é, atualmente, a etapa da educação brasileira com piores índices de qualidade. Qual é exatamente o problema com ele?
José Fernandes de Lima: Não concordo exatamente com essa afirmação. Pode até haver problemas nos índices atuais, mas, se compararmos com o passado, veremos que o Ensino Médio evoluiu bastante. O Brasil, historicamente, trabalhou com uma educação excludente. Até o começo da década de 1990, tínhamos menos de 4 milhões de alunos nessa etapa da educação. Agora já temos mais de 8 milhões, e ainda temos números difíceis, com 15% da população de 15 a 17 anos que não está conseguindo entrar nas escolas desse nível. Só 50% dos matriculados estão na idade correta. Isso não significa que esse quadro é pior do que era antes, porque, antigamente, nem tínhamos as pessoas na escola. Diz-se que o Ensino Médio não é bom porque a sociedade se dá conta disso. Avançamos muito nos últimos 20 anos no que tange a inclusão, e isso torna mais claro o ponto de vista do sucesso ou falta dele entre os alunos. Então, houve evolução.
CE: E quais são os focos das novas diretrizes para o Ensino Médio?
JFL: Pensamos que o currículo deva contemplar quatro dimensões: o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. Na medida em que esses pilares forem realmente debatidos nas escolas, teremos um Ensino Médio mais próximo dos estudantes e diminuiremos a evasão, aumentaremos o entusiasmo e a qualidade. Algumas pessoas confundiram que as quatro dimensões seriam uma volta ao colegial antigo (dividido entre Clássico e Científico). Mas não é nada disso, é um Ensino Médio só.
CE: Então não teremos essa divisão entre quatro tipos de Ensino Médio? Houve quem interpretasse assim, inclusive na imprensa…
JFL: É verdade, mas não estamos propondo que o aluno tenha quatro alternâncias de escolha. É o contrário: o Ensino Médio tem de contemplar todas as quatro dimensões. Só assim ele vai atender aos interesses das pessoas. Antigamente, o Brasil já tinha essa divisão no colegial, mas viu-se depois que não dava certo. Quem entendeu desse jeito é porque estava lembrando de como era. Não queremos nem mesmo a divisão entre o ensino técnico e de vestibular. Mas a parte de formação para profissionais no ensino técnico terá diretrizes próprias.
CE: Qual é o objetivo do Conselho Nacional de Educação ao propor autonomia escolar para montar projetos pedagógicos?
JFL: O objetivo é bem mais amplo do que simplesmente discutir a questão de ampliação e flexibilização da grade curricular. O que movimentou o CNE para atualizar as diretrizes nacionais curriculares do Ensino Médio é o fato de vivermos num mundo de grandes transformações tecnológicas e de grande quantidade de conhecimento gerado através das comunicações e tecnologias de informação. Isso leva a escola a se repensar. Significa que ela está deixando de ser a única fonte geradora de conhecimento e, como tal, tem de se estruturar para atender os jovens. E se isso é verdade para a educação de um modo geral, é muito mais verdade para o Ensino Médio, porque é a fase em que as pessoas estão tomando decisões para o futuro. Então, a escola tem de atender ao projeto de vida do estudante. Praticamente, todos os países hoje estão repensando a estratégia educacional baseando-se nisso, embora aqui estejamos traçando um caminho próprio.
CE: Já que falamos em ensino técnico, o MEC apresentou agora o Pronatec, em que pretende aumentar consideravelmente o número de formandos no Ensino Médio técnico em médio prazo. Onde entra o ensino técnico nessa nova proposta?
JFL: Essas diretrizes vão tratar especificamente dessa área, e não estou por dentro. Vou aguardar as reuniões do Conselho sobre o tema. Aí, sim, entenderemos todo o conjunto.
CE: E o que esse novo Ensino Médio deve corresponder?
JFL: Primeiro, ela tem de ser universal. Segundo, existe a forte concepção de que a boa escola é a que se volta para a formação do cidadão e que prepara o estudante para o mundo do trabalho – e, com isso, estamos automaticamente dizendo também que não deve mais prevalecer a divisão da escola entre a preparação para o vestibular e para o trabalho. Ele tem de ter essas características mistas, uma nova identidade. E para a escola ter identidade, ela precisa ter flexibilidade para atender a demandas regionais. Ao mesmo tempo em que precisa se preparar para o uso da tecnologia, precisamos que ela não abra não dos valores, do comportamento ético, da sustentabilidade e da promoção dos direitos humanos.
CE: Já existe dificuldade de fiscalização da qualidade das escolas no País. Não seria mais difícil fiscalizá-las a partir do momento em que elas tenham mais liberdade de mexer no currículo?
JFL: Isso é bem importante. Democraticamente, essas diretrizes devem nortear as especificidades das escolas para que atendam as características de sua região. Só que temos as avaliações nacionais, investimentos nacionais em material didático e os investimentos em professores. Então, uma vez definida a identidade da escola, teremos um sistema de avaliação que interpretará se a estratégia de cada escola está dentro dos limites exigidos. Veja, existem as áreas do conhecimento exigidos por lei: Linguagem, Ciências da Natureza, Matemática etc. A liberdade das escolas está no comportamento em sala de aula, mas tudo isso deve seguir dentro dela.
CE: E como será o tratamento com a escola que não consegue se desenvolver?
JFL: Entendemos que a fiscalização da escola não deva ser usada para premiar ou para punir, mas apenas para acompanhar suas estratégias, e que, quando necessário, façamos a correção de rumo. Se não vai bem, façamos novos investimentos, chamamos o sistema para a discussão- e para tratar novos planos para ela.
CE: A mudança nas diretrizes também dá importância ao incentivo à pesquisa, confere?
JFL: A pesquisa deve ser um princípio pedagógico, o que mudaria a forma rígida de se trabalhar em sala de aula. As pessoas associam o termo “pesquisa” à existência de grandes laboratórios. O que temos de incentivar é o comportamento de pesquisa em sala de aula. Em vez de dar o assunto pronto aos alunos, queremos que o professor promova a procura desse conhecimento por parte do aluno, que ele pesquise e descubra,- que trabalhe em grupo, que aprenda a aprender.
CE: No projeto que o senhor apresenta, quais as especificidades para o Ensino Médio noturno?
JFL: Neste ponto é importante providenciar formas de organização que permitam que os alunos desse período, que normalmente trabalham o dia todo, tenham todo acesso ao ensino e o concluam. Então há flexibilização de carga horária, mas isso também funciona para o período diurno. Quem estuda de manhã pode usar a alternativa de ampliação de carga horária à tarde. Já os estudantes noturnos podem se formar em quatro anos em vez de três, por exemplo, ou então em três anos e meio. Também incentivamos o ensino a distância – se houver a disponibilização do conteúdo por meio da internet, por exemplo, então que isso seja mais uma opção de aprendizagem.
CE: E em que pé está a aprovação das mudanças? Quando entrariam em vigor?
JFL: O documento já foi aprovado na Câmara de Educação Básica do Conae. Passou agora por uma revisão técnica e foi encaminhado para o MEC, que deverá homologar. Na sequência deverá publicar essa diretriz no Diário Oficial, chegando ao conhecimento de conselhos estaduais e municipais e de escolas. Esse documento é fruto de um grande debate que começou em 2010 e que foi discutido com representantes de professores, de estudantes, secretários de estado, especialistas e do MEC. Conta com apoio considerável.
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